Arte que constrói histórias de vida

Por: Tânia Franco - ttferreira@sorocaba.sp.gov.br

Artesãos fazem, expõem e vendem seus produtos com apoio do Fundo Social, numa iniciativa de valorização das artes e das técnicas manuais.

 Se a fé não costuma falhar, este é, então, o ponto de partida da vida profissional de Hercília, Tatiana, Denes e Marli. Eles são os personagens que, há dois meses, aceitaram o desafio de participar de uma reconfiguração do uso de alguns bicicletários públicos e ocuparam os espaços para mostrar sua arte e talento ao público.

O projeto, desenvolvido pelo Fundo Social de Solidariedade (FSS), criou quatro pontos de artesanato em locais diferentes como forma de promover uma ocupação sustentável dos módulos, colaborando com a divulgação dos objetos produzidos por artesãos locais e acelerando a geração de renda desses profissionais.

São quatro espaços: um na altura da ponte Francisco Dell´Osso, na Avenida São Paulo; um no Largo do Rosário, de frente para a Rua Souza Pereira; outro na Praça Carlos de Campos e, o último, no Parque Maestro Nilson Lombardi, no Jardim Ipiranga. E é neste último que Hercília de Oliveira mostra e comercializa seus fuxicos e patchworks, além de inúmeras ideias para casa, para o carro, para o trabalho ou para presentear.

A história de Hercília no artesanato tem só sete anos. Mas a relação com a costura vem da infância. De uma família de dez irmãos, ela ajudava a mãe no conserto das roupas ganhas e alimentava o sonho de trabalhar com moda. Claro que as bonecas foram suas primeiras modelos, e aos 12 anos fez o primeiro curso de corte e costura. Aos 18, quando se casou, foi obrigada a guardar seu ideal imaginário. “Com os filhos criados e formados, a casa paga, a gente repensa a vida”, diz para justificar a retomada da alegria traduzida em seus produtos coloridos dispostos na banca do bicicletário do Ipiranga.

Incentivo e parceria

Hercília nunca deixou de trabalhar. Era representante médica – vendia próteses mamárias e não tinha tempo para se dedicar a sua paixão. Foi um pedido da namorada do filho que a impulsionou. Manicure e com uma ótima clientela, a nora encomendou uns pesos de porta para presentear no natal. “Eram cinquenta peças e tinha que ser tudo igualzinho para evitar descontentamento entre a mulherada”, conta. Os cinquenta viraram oitenta, os pesos evoluíram para porta-lixeira de carro, porta-lenço, bolsinhas para óculos e, hoje, são dezenas de diferentes artigos.

Na mesma medida em que é articulada, Hercília é generosa. O ponto cedido pelo Fundo Social é dividido com Tatiana Regina, uma florista dos panos que, ao invés das pétalas naturais, reproduz nos tecidos as formas e brilhos das flores aplicando-as em tiaras, laçarotes, broches e fitas. “Ajudamos uma à outra. Ter companhia para conversar, para trocar ideias e trabalhar é muito importante”, conta Tatiana.

Mas a bondade da parceira não se resume à divisão do espaço. Hercília faz diariamente – muitas e muitas vezes – um trabalho social junto às crianças e adolescentes que frequentam o parque. Mesmo que alguns achem improdutivo, sua atitude incansável é de aconselhar para que busquem construir alguma coisa por meio dos estudos e da formação profissional.

A todo momento entra um menino para dar bom dia, perguntar sobre qualquer coisa, mexer nos produtos ou simplesmente se sentar ali. Ela atende tranquilamente, fala com calma e respeito. Então, eles se despedem e continuam a correr pelo parque. “Não quero sair daqui. Eu já tenho o reconhecimento da comunidade, E acordar de manhã sabendo que venho pra cá me faz muito feliz”, enfatiza.

Hercília sabe que o projeto do Fundo Social dará mais frutos em longo prazo e diz que, de sua parte, está disposta a continuar junto nessa parceria.

Capricho de sabor

Primeiro a ser beneficiado com a ocupação sustentável do bicicletário, o cearense José Denes Moreira é outro retrato da positividade, da alegria e da satisfação com aquilo que faz. O trabalho com artesanato, na verdade, começou com sua esposa Edna, que domina a arte da renda do filé. Foi ela, inclusive, quem veio morar em Sorocaba primeiro por conta de familiares residentes. Denes veio há dois anos, “depois de conhecer bem, perceber que era igual Fortaleza, e que só faltava a praia”, conta.

Na Feira de Artesanato do Largo do Rosário ele e a mulher encontraram uma forma de ganhar o sustento e manter a valorização da cultura nordestina. Mas no módulo da avenida São Paulo, ao lado da ponte da Rua Quinze, Denes mantém outra tradição de sua terra: prepara tapioca. São quase trinta sabores definidos no cardápio, além de um que dá oportunidade do cliente montar como bem quiser, a seu gosto.

Ali, ao lado do rio Sorocaba, Denes se diz um privilegiado com a vista. Um paisagismo simples dá um toque diferente ao espaço e favorece o sentar e apreciar, tanto o visual quanto o sabor da iguaria nordestina. Nos dois meses que está no lugar, seus clientes ainda são os frequentadores da feira de artesanato. Como sabem que ele ocupa um novo ponto, quando bate a vontade de comer tapioca é pra lá que vão. “Infelizmente, a população de um modo geral não percebeu que estamos aqui. Mas tenho certeza de que isso vai mudar e ainda terei muita gente sentada aqui, apreciando o ambiente”, fala referindo-se às centenas de pessoas que vê passando pelas calçadas no entorno, mas que não param.

O ‘tapioqueiro’ tem orgulhoso da profissão e diz fazer a “melhor tapioca da cidade”. Caprichoso, ele conta que testou inúmeras massas até conseguir um fornecedor que lhe desse aquela que é perfeita: leve, que abraça o recheio e divide com ele um espetáculo de sabor.

O espetáculo da tapioca também é de aroma. Pelo menos é o que diz a vizinha de parede, a artesã Marli Stracke Querido, que percebe exatamente quando Denes está preparando um prato. Sentada tecendo suas golas, pelerines e caminhos de mesa, ela diz que “fica difícil não sentir o perfume adocicado de morangos e chocolate”.

Há dez anos Marli fez de um hobby sua profissão. Já criou loja virtual, onde mostra seus trabalhos feitos em linha, lã e barbante e recebe os melhores elogios. No espaço artesanato viabilizado pelo Fundo Social, confessa, ainda não obteve lucro. Mas conta que não quer desistir. Ela reconhece que o público ainda não está atento à exclusividade que o produto artesanal se traduz, ao valor agregado que ele traz, justamente por ser único. Na ideia do projeto só vê benefícios. A valorização do artesão local é o que mais se destaca. “Agora, cabe ao sorocabano também valorizar essa arte e buscar conhecer as cores, sabores e amores construídos pelas mãos de quem acredita numa arte plural”, diz.

Para participar

Qualquer pessoa que produza artesanato pode participar dessa rede de apoio ao artesão. Para isso, aqueles que ainda não são cadastrados junto ao Fundo Social devem fazer isso na Universidade do Trabalhador Empreendedor (Uniten), que fica na Avenida Gal. Osório, 1840, na Vila Barão.

Os trabalhos passam pelo crivo da Curadoria de Artesanato e, após isso, os artesãos dispõem de um tempo de noventa dias para ficar no espaço de Artesanato pagando uma taxa simbólica de ocupação. O período é determinado de modo que outros artesãos possam, também, usufruir dos locais.

Mais informações podem ser obtidas pelos telefones 3238.2503 / 3238.2390, de segunda à sexta-feira, das 8h às 17h.

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