Cerâmicas da Reserva Técnica de Sorocaba alimentam dissertação
Por: Ana Carolina Chinelatto (Programa de Estágio) - Supervisão: Eduardo Santinon
Quem se interessa pelo estudo das sociedades humanas antigas muitas vezes viaja até a Grécia ou Egito para ver os vestígios materiais encontrados por arqueólogos. O que muita gente não sabe, é que tem material rico para pesquisa arqueológica muito mais perto.
Na Reserva Técnica do Palacete Scarpa, no Centro de Sorocaba, está guardado o material que não é exposto no Museu Histórico Sorocabano (MHS) e no Museu da Estrada de Ferro Sorocabana (MEFS). As peças, garantem os museólogos, têm muita história antiga para contar.
Quando ficou sabendo da existência desses materiais, a cientista social Letícia Ribeiro, 27, que atualmente faz mestrado em Arqueologia na Universidade de São Paulo (USP), decidiu incluir a análise de alguns deles na sua dissertação. O projeto está focado em estudos iconográficos da cerâmica Tupi do interior do estado de São Paulo. Segundo Letícia, as cerâmicas que pesquisa podem indicar muita coisa, já que fazem parte de um contexto social específico. “Essas peças não são de uso cotidiano. Elas eram utilizadas, normalmente, em contextos ritualísticos. As cerâmicas maiores, por exemplo, eram utilizadas para urnas funerárias. Eram confeccionadas para a produção de uma bebida fermentada que era consumida coletivamente e, depois, era reutilizada no sepultamento”, explica.
Diferencial
Inicialmente, a região que estava sendo pesquisada era a bacia hidrográfica do Mogi Guaçu (SP). Mas, depois de procurar, Letícia conta que não encontrou material tão preservado. “O diferencial de Sorocaba é justamente a preservação das peças que encontrei. Algumas estão inteiras e com a pintura preservada, o que me possibilita pesquisar o tema”, frisa. Segundo ela, é comum encontrar cerâmicas nos museus, mas, geralmente, apenas uma peça que não é da região. “No acervo de Sorocaba eu já encontrei 5 peças. Encontrar essa quantidade de material que dá para analisar é difícil. Dá para descobrir muita coisa”, comemora.
Descobertas iniciais
Conforme a pesquisadora, não há uma referência do local onde foram encontradas as peças, mas dá para saber alguns bairros por meio de documentos. “As cerâmicas com desenhos Tupis encontradas aqui são da região de Iperó, Sarapuí, Araçoiaba e Sorocaba. São cerâmicas difíceis de encontrar. As peças estavam espalhadas em caixas do acervo da Reserva. Nós juntamos peça por peça, lavamos e colamos no dia seguinte”, explica.
De acordo com Letícia, toda pesquisa arqueológica não se limita ao estudo do objeto. “Tem toda uma pesquisa etno-histórica. Eu pesquiso também os relatos dos viajantes antigos e comparo com o que eu acho”, destaca. Esses relatos, ainda segundo ela, dão indícios de como os indígenas viviam antigamente. “A cerâmica é muito citada, inclusive como uma atividade feminina. Essas são informações importantes para entendermos como ela era produzida e utilizada”, frisa. Por meio da primeira análise feita por Letícia, já foi possível reconhecer o estilo dos desenhos. “Das cerâmicas que encontrei no acervo, duas eu acredito que sejam tampas de urnas funerárias porque tinham alguns ossos junto. Era comum os índios usarem as cerâmicas grandes para colocar o corpo dentro e sepultar. Para tampar, era utilizada uma cerâmica menor como essas”, conta. “Antes disso ela era usada para servir algum alimento ou para beber”, acrescenta.
Riqueza histórica do acervo
De acordo com a museóloga da Divisão de Patrimônio Cultural da Secretaria da Cultura (Secult), Daniella Gomes Moreira, que trabalha na Reserva Técnica, esta pesquisa é de extrema importância. “A gente tem uma noção genérica do nosso acervo dentro do contexto arqueológico, mas só um pesquisador vai indicar a importância de cada peça. Várias informações que a Letícia já deu nós não sabíamos”, conta. Enquanto faziam a separação dos materiais, Daniella encontrou uma cerâmica pintada, mas não sabia o que era. “A peça estava cheia de terra e na mesma caixa tinham mais três. Com essa pesquisa, o material pode ser organizado e, quem sabe, possa até ser exposto”, comenta.
Mais importante ainda, a pesquisa é fundamental para que as pessoas não procurem fora o que pode ser encontrado em Sorocaba. “Na verdade, a gente às vezes valoriza muito a arqueologia fora do país, mas em Sorocaba tem material desconhecido que é muito rico em história”, garante.