Clube Blue oferece atenção às crianças da Vila Sabiá

Por: Ana Carolina Chinelatto (Programa de Estágio) - Supervisão: Eduardo Santinon

Agentes comunitárias de saúde promovem conversas com as crianças em vulnerabilidade social do bairro, na tentativa de mostrar uma nova perspectiva de vida

Carinho, cuidado e atenção. Gestos e atitudes tão simples que são capazes de mudar uma vida. Simples, mas não tão comuns quanto deveriam ser. Ainda mais dentro de casa, lugar onde eles deveriam ser esbanjados diariamente. Na Vila Sabiá, em Sorocaba, não é difícil observar os reflexos dessa falta de carinho. Muitas crianças ficam sozinhas brincando pelo bairro no período da noite, sem alguém para se preocupar com elas e dizer que já está tarde e é hora de criança estar na cama. O resultado dessa autonomia precoce, em muitos casos, é o envolvimento com o crime.

Para dar o afeto que falta a essas crianças e atuar na prevenção, foi criado, em 2012, o Clube Blue. O projeto social, que é uma parceria entre a Unidade Básica de Saúde (UBS) da Vila Sabiá e o Território Jovem (TJ), atendia inicialmente meninos com idade entre 12 e 15 anos. Mas, de acordo com a agente comunitária de saúde Sabrina Martins Batista Vieira, que faz parte do projeto, a faixa etária dos participantes precisou ser reduzida para até 12 anos. “O nosso objetivo com as conversas é mostrar uma perspectiva de vida melhor, mas, com 12 anos, grande parte dos meninos do bairro já está envolvida com a criminalidade, então, é difícil mudar”, explica.

Nesta quinta-feira (30), a reunião contou com a participação especial da dentista residente da UBS, Cláudia Camargo. As três crianças que participaram assistiram atentas à demonstração de como escovar os dentes corretamente. Segundo Cláudia, no bairro há muito problema odontológico causado por má escovação. “Não dá para cobrar se não ensinarmos. Muitos perdem os dentes ainda jovens, porque não escovam corretamente e não fazem uso do fio dental. Isso acontece porque, muitas vezes, ninguém explicou como era a maneira correta”, diz.

O bairro é dividido pela UBS em micro áreas e cada agente de saúde é responsável por uma delas. Durante as visitas que fazem nas casas, elas observam as crianças que têm necessidade de participar do grupo de conversa. Conforme Sabrina, no projeto, eram aceitos apenas meninos, porém, as profissionais perceberam que algumas meninas, principalmente irmãs ou primas desses meninos, ficam sozinhas nas casas e decidiram convidá-las para participar. “O nome Clube Blue continua, mas hoje é mais um Clube Kids”, diz.

Atualmente, 03 meninas e 03 meninos participam do projeto, que é realizado às terças-feiras, a partir das 9h, no TJ da Vila Sabiá. As conversas são conduzidas pelas agentes comunitárias de saúde, médicos, dentistas, enfermeiros e auxiliares de enfermagem. Segundo Sabrina, essas crianças são carentes de afeto familiar, por isso, o principal objetivo é demonstrar carinho. “Nós sempre mantemos eles ocupados. Damos orientações de higiene, ajudamos com a lição de casa e também ensinamos artesanato para ajudar na concentração”, frisa.

Independência precoce

Pais envolvidos com drogas, presos ou que trabalham durante o dia inteiro. Essa é a realidade da maioria das crianças que participam do projeto. Por esse motivo, a responsabilidade de acordar, comer, tomar banho, se arrumar, ir para o projeto e depois para a escola, é exclusivamente deles. Sabrina conta que os pequenos não sabem ao certo qual é o dia da semana e que horário devem fazer suas atividades. Por isso, todos os dias antes do projeto, as agentes de saúde passam na casa de cada um deles para buscá-los. “A realidade é triste. Muitos deles ficam sozinhos o dia todo, vivem na rua e só vão à escola quando veem que os amiguinhos estão passando em frente às suas casas. Saem do jeito que estão, muitas vezes sem comer”.

E justamente por ficarem na rua, eles se tornam alvos fáceis. De acordo com a agente de saúde, todos que participam do projeto têm, pelo menos, uma pessoa da família envolvida com tráfico. “Se eles não têm ninguém para impor limites e para demonstrar preocupação, acabam se envolvendo também. Eles são crianças, têm vontade de comer um lanche e não têm dinheiro. Com o tráfico eles conseguem. Aqui nós buscamos explicar o que é certo e o que é errado”, comenta.

 

Além do projeto

Os cuidados não param dentro da sala do Território Jovem. Com a relação afetiva que desenvolvem com as crianças, as agentes descobrem problemas pessoais e procuram ajudar. Um dos meninos que frequentam o projeto, por exemplo, estava há dois anos sem ir à escola. Sabrina buscou, juntamento com outras duas agentes, saber os reais motivos para resolver esse problema. “A mãe dele é usuária de crack e atualmente mora na Cracolândia, em São Paulo. A escola estava pedindo o atestado de matrícula dele e não conseguiam entrar em contato com a mãe. Como aquela mulher ia saber onde estava esse documento?”, questionou, expressando indignação.

Com o pai alcoólatra e a madrasta também usuária de crack, ninguém se preocupava com a situação. Mas, as agentes procuraram outra saída. Foram até a escola, explicaram a situação e, em poucos dias, o menino foi matriculado. “Nós ficamos muito felizes, afinal, lugar de criança é na escola. Há cerca de 2 meses ele voltou a frequentar as aulas”, comemora.

Para continuar no projeto, as agentes exigem que as crianças estejam matrículadas na escola no período da tarde e que tirem boas notas. “A gente cobra muita coisa, mas eu percebo que eles respeitam. Quando aprontam, nós falamos que não podem continuar no Clube, aí na hora eles dizem que vão parar porque não querem ficar sem participar das oficinas”, ressalta.

E esse retorno positivo que recebem dos participantes é o que motiva as agentes. Sabrina conta que na semana passada as crianças foram ao cinema, coisa que nunca tinham feito. “O sorriso estampado no rosto deles nos deixou muito feliz. Eles ficaram encantados com a tela e com o 3D. Uma coisa que é tão comum para nós, para eles faz muita diferença”. Para a Sabrina, o projeto é uma experiência muito positiva, pois é bom saber que pode fazer a diferença na vida de alguém. “Eu amo o que faço. O que eles precisam não é bem material. Isso nos leva a pensar que mesmo quando chegamos cansados do trabalho precisamos arrumar força para dar atenção aos nossos filhos. Se não instruí-los desde pequenos e não nos dedicarmos, nós vamos perdê-los para esse mundão”, aconselha, com a experiência de quem vê diariamente o estrago que a falta de afeto pode fazer na vida de uma pessoa.

 

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